quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A dinâmica do "resto"!

A perspectiva da esperança continua a permear o povo de Israel, de volta a sua morada exultam de alegria numa mistura de sentimentos que não cabem dentro de si. Deus de Misericórdia olhou ao clamor do povo e conduzi-os aos caminhos de restauração, num processo eloquente de conversão. É um convite que Ele nos faz e a possibilidade que nos oferta – recomeçar. 

Seu olhar se volta a todos, não tem nenhum tipo de desvio, não se delimita, mas adentra na inteireza dos que carecem do bálsamo da misericórdia, tal como fizera com aquela mulher que pedia a cura da filha, era pagã, mas de fé invejável.

Uma mulher que se envolve de coragem, audácia e esperança, no anseio por uma nova vida a sua filha e também a ela. Uma mulher, que tal como Pedro, clama por socorro no desespero, e espera ser atendida porque sabe que Ele é bom. Uma mulher que não implora a melhor parte como os discípulos que queriam um estar à direita e outro a esquerda do Mestre, mas sim reclama pra si e pra filha o “resto” das migalhas que saltam do coração de Jesus.

Na dinâmica do “resto”, o povo de Israel é salvo e a filha daquela que era pagã também. Em ambos os casos temos o derramar e o abandonar como estilo de vida, confiando plenamente em Deus e na sua infinita misericórdia. O Cristo que cura veio para todos os que estão feridos, lameados, marginalizados e jogados como traças de nossa sociedade, que assim se tornam e enraízam porque nós, enquanto Igreja, estamos ocupados demais em mandar embora aqueles que gritam atrás de nós, afinal, eles incomodam, eles nos paralisam, eles nos sujam, e não podemos nos ver em meio a tudo isso, uma vez que temos que estar sempre impecáveis para os nossos ritos e solenidades. 

No dinamismo e na lógica do Cristo a fé cura e liberta, transforma realidades, nos faz acolhedores com os vulneráveis, nos faz caminhar perante a missão, nos torna limpos, mesmo com as sujeiras dos nossos irmãos. É preciso ter a consciência cristã para não discriminarmos o nosso próximo e para não roubar o pão do banquete dos pequeninos. 

Que sejamos nós também o “resto” dos que já não professam a fé em Cristo, e comamos também nós o resto que cai como migalhas, pois é desse que nos vem à salvação. Que o Pão Vivo descido do céu nos guarde qual pastor a seu rebanho.

As mãos da misericórdia: Senhor, salva-me!

Tendo iniciado o mês vocacional, a chave de leitura da liturgia talvez seja para nós a oportunidade de revisitar nosso coração, nossos anseios e configurar a vontade de Deus no trilhar de nossa caminhada, mediante a uma vocação que é Dele; a nós cabe uma resposta sincera e generosa.

Jeremias em sua profecia nos conduz hoje a perspectiva da esperança, um caminheiro que cumpre a vontade de Deus, e um Deus que docilmente nos ama, cumpre seu compromisso conosco. Não há abandono, não há esquecimento, há tempo e graça de Deus. Por nos conhecer e por nos amar sabe o momento certeiro de cumprir o que outrora prometera. 

É preciso que no âmago da vocação que é de Deus, estejamos dispostos à missão. Vejamos que quando já saciada a multidão o Cristo indica que os discípulos devem ir, e continuar a missão, tal a urgência do serviço, da entrega e da doação. Ele como Bom Pastor permanece com aqueles a quem se destinava a misericórdia do Pai. Aqui me recordo das palavras do Papa Francisco quando no número 31 da “Evangelli Gaudium” se dirige aos bispos convidando-os a se colocar a frente do povo para indicar-lhes o caminho, a manterem-se no meio do povo para evidenciar sua proximidade simples e misericordiosa e ainda caminhar atrás do povo para ajudar os que se atrasam, ora não é exatamente essa a atitude do próprio Cristo, vai ao encontro da necessidade do seu povo.

E Ele também vai ao encontro dos discípulos que estavam na barca e possuíam medos e preocupações e sussurra tranquilamente “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo”. Exatamente assim, que esse mesmo Cristo, ao olhar para a realidade de nossa caminhada, também nos envolve da sua presença e misericórdia, para que em nosso itinerário vocacional não nos deixemos afogar pelas intempéries da missão e do caminho, mas, sobretudo, ao sentir nossos pés afundando pela insegurança tenhamos a coragem de gritar “Senhor, salva-me”. 

Que ao perpassar nossa realidade vocacional, adentrando no itinerário dinâmico da formação, que de maneiras diversas a vida nos proporciona, tenhamos a perseverança de Jeremias para que, no tempo de Deus, colhamos os frutos imersos na esperança e dessa forma, mesmo diante as dificuldades e quedas, mesmo com todas as mazelas e misérias não nos detenhamos, mas sim, estendamos os nossos braços para sermos socorridos pelas mãos misericordiosas do Cristo.

"Dai-lhes vós mesmos de comer!"

Hoje, iniciando o mês vocacional, intensificando nossas orações a todas vocações que se colocam a serviço do próximo, somos interpelados pelo profeta Jeremias a olhar para realidade do verdadeiro e do falso profeta, dos que permanecem fieis a missão, outrora confiada, e dos que pelas mesquinharias se deixam levar facilmente e abandonam pelo caminho o que Deus confiara. É preciso uma atitude muito prudente e sábia diante das peripécias da vida, abrindo-se a percepção de que muitas as vezes anunciamos, não aquilo que revela e manifesta a Deus, mas sobretudo aquilo que enaltece o nosso super ego existencialista. Essa acaba sendo corriqueiramente uma atitude de muitos de nós cristãos que queremos seguir o Cristo, sem achegar-se aos pequenos do Reino.

Prolongar a missão do Cristo é atentar-se a multidão que busca e anseia, incessantemente, por compaixão, pela escuta, pela atenção, por um simples tocar que cura e liberta, alimenta e da vida. Mas quantos de nós não nos vemos tais como os discípulos que não querem alimentar, não querem por a "mão na massa", não querem formar, acolher, pastorear mas querem dar "pão e circo" sacramentalizando e marginalizando a fé dos que tem fome e sede.

Por isso, na aurora do mês vocacional, é preciso que abramo-nos a moção do Espírito Santo para saborear as palavras de Jesus "dai-lhes vós mesmos de comer!" e assim envolvermos do gesto fraterno da partilha que nos lança a dinâmica da misericórdia. Uma dinâmica que multiplica a graça e satisfaz os mais vulneráveis, os que se encontram afastados, excluídos ou até mesmo impedidos de abeirar-se da Misericórdia do Pai.
Que a Palavra de Deus e o testemunho de tantos vocacionados nos impulsionem na caminhada e nos faça tal como o samista dizer: "ensinai-me a fazer vossa vontade

sábado, 30 de julho de 2016

Nossa maior riqueza: nosso próximo!

A liturgia desse final de semana nos convida a encarar nossa realidade cristã frente aos desafios que assumimos face aos bens deste mundo, sobretudo no que se refere aos que vertiginosamente nos coloca na posição de escravos.

A primeira leitura é envolta de um pessimismo do autor sagrado, todavia com o olhar da fé somos interpelados por ele a nos percebermos no hoje da nossa história como construtores de um vazio que se preenche das futilidades e das vaidades. Quando ocupados e preocupados com os bens supérfluos não conseguimos nos atentar ao que realmente é válido em nossa caminhada cristã, afinal nossa atenção, o prisma de nosso olhar, esta calcado em acumular cada vez mais bens, e nos esquivamos de envolver com o revelar-se de Deus e o sussurrar de seus valores.
É justamente isso que o evangelista nos recorda na narrativa do Evangelho, diante de um pedido, um tanto quanto incoerente, Jesus se posiciona, e tateia repreensivamente o que verdadeiramente é válido, ou seja, tudo que nos convida insistentemente a sermos: mãos servis, dom total de si aos outros, entrega e doação incondicional.
Quando nos voltamos a um vazio existencial nos vemos buscando um acúmulo esdrúxulo de bens que não são necessários para nossa realidade cristã, nos portamos como loucos esgotando-nos em conquistas desvairadas e descabidas, ajuntando riquezas que não são necessárias para estar diante do Deus de Misericórdia.
Talvez devêssemos nos atentar do como podemos ser ricos diante de Deus, quais são as riquezas que devemos nos ocupar e o que elas representam na vida de cada um de nós cristãos. É interessante como nos saciamos com tão pouco, diante a magnitude e a grandeza de Deus, como que ansiamos por bens tão superficiais, quando temos a oportunidade de degustar da misericórdia de Deus, que sabe que o que temos a oferecer e é próprio nosso e de nossa existência, são nossas misérias e mazelas, e mesmo assim, vem ao nosso encontro, pois nos ama de forma gratuita e sincera.
Por isso São Paulo quando se dirige a comunidade dos Colossenses os convida a estar na constância do identificar-se com o Cristo, a nos libertar das amarras da escravidão terrestre e se lançar nas mãos de Deus para um “renascer” no Cristo, e a melhor forma de fazermos isso é assumir no âmago de nossa história os nossos compromissos batismais, afinal são eles que nos impulsionam na busca de bens espirituais que nos fazem ricos diante de Deus.
A vida quando pautada nos bens materiais é fadada ao fracasso, e fracassam todos aqueles que se tornam obcecados no sentido único de “ter”, e “ter” cada vez mais, ao invés de se voltar para o sentido único de “ser” e “ser” um com o outro, a quem somos chamados a servir; é preciso ter a consciência de que para ser rico de Deus precisamos nos preencher do nosso próximo e nos tranquilizar tal como o salmista, pois o "Senhor é um refúgio para nós".

Vasos? Quais vasos? Peixes? Quais peixes?

Os autores sagrados utilizam na liturgia de hoje figuras tão próximas de nós, que é impossível não nos encantarmos e emocionarmos com tamanha demonstração de amor e de cuidado. Adentrar a realidade do oleiro, como vaso de barro, ou ainda como peixes nas mãos do pescador é ter a capacidade de mergulhar no que Deus espera e quer de cada um de nós.

A temática do “se abandonar” tão recorrente nos últimos dias, hoje se torna ainda mais eloquente, quando podemos perceber na expressão singela e simples do homem o dedo de Deus que retoca, dá forma e formato, refaz e desfaz, molda pelo Amor e pela Misericórdia.
É tão significativo nos reconhecermos como vaso de barro nas mãos do Criador, é tão precioso nos percebermos como peixes, ora bons e ora ruins, para que assim recorramos no verdadeiro abandonar-se nas mãos que afagam, protegem, aquecem, cuidam, exortam, corrigem e lançam, no gesto tão doce, de entregar para a vida aquilo que criara, no desejo que estejamos sempre conectados pelo elo do Amor.

Imaginemos que hoje seja o último dia, o dia derradeiro, o final... o vaso já quase pronto e a rede sendo retirada do mar. Na mão do oleiro, a possibilidade de um belo vaso, ou ainda, o trincar e defeitos do que poderia ser um vaso... nas mãos do pescador uma rede cheia, repleta de peixes, uns bons, apetitosos, graúdos, outros ainda, com tamanhas deformações que o melhor a ser feito, é lança-los novamente ao mar. E nós como chegamos para este dia? Que vaso somos, ou ainda que peixe escolhemos ser?
É tempo favorável, é preciso se enxergar nessa realidade, e envolver-se pela Misericórdia de Deus, que insistentemente tem vindo ao nosso encontro, e por frações de segundo quer nos moldar para que não estejamos mergulhados no pecado e no sofrimento. Ser bom peixe ou vaso belo não é mérito nosso, mas é graça de Deus, que nos salva por nos amar gratuitamente, escolhemos a Ele, porque Ele nos escolheu por primeiro.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

A arte de redescobrir o primeiro Amor!

A experiência de Jeremias no dia de hoje nos parece um profundo chamamento a pisar no chão de nossa realidade, a vivenciar um profundo encontro existencial, que mediante a um drama, a tantas dúvidas e inconstâncias, se vê em meio a uma verdadeira crise, existencial e vocacional. E Deus na sua infinita sabedoria lhe faz um singelo convite, e com certeza ela se estende de forma toda especial a cada um de nós, que talvez, no delinear de nossos dias nos vemos tão fragilizados como o profeta Jeremias – voltemos ao nosso primeiro Amor, a experiência do nosso primeiro encontro, e com aquilo que, de certa forma, se tornou a razão de nossa vocação e existência.

Vivenciar momentos de crises é permitir que nossa alegria do servir e do se doar seja roubada e ofuscada, é obscurecer o momento que dissemos sim e respondemos a um chamado de Deus, a vocação que é dele, que esta e sempre estará em suas mãos, daí a real necessidade do abandono e da confiança, que justamente Deus chama Jeremias a ter no momento de dificuldade, mesmo quando as coisas parecem não ter sentido, mesmo quando todos parecem ter nos dado as costas, mesmo quando as dores e sofrimentos são os nossos melhores companheiros, ainda sim, temos que perceber e sentir o colo de Deus Misericordioso a nos afagar e nos dar sustento para suportar e amar o que é próprio de nossa existência.

Aliás, a capacidade de suportar e amar o que é próprio de nossa vida é justamente passar pela experiência que o Cristo nos convida pelo evangelista Mateus, uma experiência do Cristo que nos faz despojar de tudo para conquistar a maior de todas as pérolas e o melhor de todo e qualquer tesouro. 
O Reino dos Céus é o que em Jesus temos de mais precioso, participar dele é privilégio incontestável, e extremamente gratificante para nós cristãos. É a alegria que é contida no amor do Cristo, encontra-la é saborear com docilidade o chamado de Deus, pois quem é chamado, quem se abre a escuta-lo e a senti-lo não fica inerte, mas se torna caminheiro em busca constante do que fora o primeiro Amor. 

Lograr por crises é próprio do nosso “ser humano”, no entanto permanecer nelas é esquecer e ignorar o que fora para nós o primeiro encontro, é lacrar as páginas de nossa vida com murmúrios, com o vitimismo e com dramatizações surreais, por isso a alegria do Cristo deve ser sempre o alimento de nossa caminhada, pois no momento de infortúnios, conseguimos, como num estalar de dedos, redescobrir a alegria que é própria de quem se põe a servir, alegria do Reino do Céus, afinal Ele é nosso refúgio no dia da aflição!

terça-feira, 26 de julho de 2016

Servir com a vida e não com devaneios ritualísticos e legalista!


Que alegria para todos nós cristãos celebrarmos a festa do Apóstolo São Tiago, mergulhando pela Sagrada Liturgia nos Mistério do Cristo e assim, abeirando-nos por meio do testemunho de fé e de martírio de Tiago, do sangue que nos faz participantes da morte do Cristo.
São Paulo, pela sua experiência, nos chama à atenção, pois traz no seu corpo, a morte de Jesus. E por essa experiência apostólica, de uma transmissão de sangue dos mártires que se dá sucessivamente, também somos nós chamados a nos entregarmos em martírio por aqueles que nos circundam, e tornarmo-nos conscientes de que também carregamos em nossa existência e em nosso corpo a morte de Cristo que nos leva a uma vivência diária do amor do Cristo por todos e cada um de nós.
E nos enganamos profundamente quando cremos que nossos devaneios ritualísticos e legalistas, nossas peripécias solenes e vazias nos fazem ainda mais próximos do Cristo, de Deus, ou ainda que todo nosso serviço, nossa doação ou nossos ministérios são garantias de um lugar especial ao lado do Pai Misericordioso. No Evangelho, Mateus recorda-nos que a garantia salvífica esta no ato de servir ao próximo, de uma entrega total pela vida dos que já não possuem mais voz, que tem suas mãos calejadas pelo tempo, as pernas já fracas pelas longas caminhadas e o cansaço já impregnado.
Olha que beleza no amor do Cristo, que vemos e vislumbramos no alto de uma cruz, no sangue que é derramado e no corpo que é entregue, e assim o é, por todos nós pecadores, que não merecemos tamanha disponibilidade sacrifical. Assumir a radicalidade do Evangelho, tal como Tiago, é abrir-se ao martírio e a oportunidade de ser bálsamo e faixas da misericórdia na vida dos nossos irmãos que estão envoltos pelas trevas.